A vida goza comigo à força toda.
Mas é isso mesmo que a Vida — com maiúscula — faz.
Tem um sentido de humor maravilhoso,
sobretudo porque fomos ensinados a esperar dela seriedade.
Quando lhe dizemos:
“Pá, a sério, o que é que se está aqui a passar?”,
ela responde com um olhar profundo
que só pode significar:
“Foda-se.”
Que Vida esta.
Estava a passar pela esquina, pairando rente ao muro.
Dirigia-me apressadamente em direcção a sítio algum.
Seguia obstinado para o limite do mundo
explorado pela humanidade.
Foda-se.
Andar sozinho é libertador.
Sem sentido.
Olhava directamente para o nada,
vazio de forma e de conteúdo,
esmagado por um interesse avassalador por nada.
O ritual apropriado para começar de novo:
esvaziar-me de tudo.
Como assim?
Caminhava apressadamente rumo a sítio algum,
olhos a desfocar por manter o olhar preso ao chão.
Cada pedra diferente.
Cada pessoa diferente.
Assemelhamo-nos a pedras, pensei,
com notas pequenas de malícia.
Foda-se.
Fui atingido, pouco depois,
por uma claridade difusa.
A claridade difusa desta ideia, pensei, orgulhoso,
pontuará a agrura destes dias.
Algures no meu corpo nascera,
simultânea à claridade,
uma espécie de miúfa.
Um calafrio.
Desfoquei os olhos.
A claridade difusa vinha afinal
dos faróis do veículo que se aproximava.
Já não pairava rente ao muro.
Lembro-me de um último pensamento
a correr o pretérito da inconsciência.
Resumia-se assim:
“Foda-se.”