terça-feira, 26 de julho de 2022

Sem estrias

 Sem sombras nem dúvidas. 

Como tantas outras antes de ti, quiseste abrir o meu coração com palavras tantas e meigas, tontas de desvairados juízos. 

Como tantas outras pessoas antes de ti, saudei com um cumprimento neutro. Respondeste com a voz embargada das memórias com que vives e que queres que aceite, pacificamente à força, sem me ser dado o privilégio de ver. 

Sem sombras nem dúvidas. Como um humor que se parte e se reparte, mas que se esquece da melhor parte: o rir. 

És assim como tantas outras antes de ti. Pessoas. 

Com histerias.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Ouver

Poeta pintor impressionista e musical,

vês bem — sem saber relacionar convenções com conversas.
O teu fluir existencial é vida em tantos.

Relacionas poemas com a riqueza intertextual da nossa hiperatividade,
com a efemeridade momentânea de um significativo sorriso.
É nisso que se resume a vida.

O conhecimento obsidiante do texto literário
pode ser a porta para combater a iletracia estética
que domina a nossa realidade amorosa e cultural,
o vácuo que retorna ciclicamente aos nossos sonhos.

Regressarás mais tarde a tudo —
vê isso, Bárbara, que és metáfora de rio —
às insolações de um texto sofrido,
arrancado a golpes de riso das agruras da preguiça.

Tropeça bem nas felicidades armadilhadas
que resistem nas frustrações de não bocejares frequentemente.

Vê isso, Bárbara:
és traçada por hibridismos,
cruzada por mutismos envergonhados e por cumprir,
quebrando as burocracias da vida,
seguindo em harmonia filarmónica.

Entrelaçadamente

Presumi ser capaz de trocar a perspetiva,
da lonjura de tempos presentes que se passaram.

Não vou tinir numa pontuação inexpressiva,
nem repetir o inane.

A historicidade dos outros cumpre objetivos na minha,
da qual recuso ser refém.

Os nossos signos semânticos,
a cintura verbal, lapidar,
são diálogos traduzidos
num procedimento que enriquece
as mensagens do aborrecimento.

Somos poemas em confronto.

Falamos com acerto em pensamentos difusos.
A maturidade poética das nossas almas
não se reflete na pueril velhice quotidiana dos corpos.

Paisagens, figuras, entretenimento, lar —
uma caligrafia poética começada na mão errada.

É preciso ler os signos pictóricos,
escutar-lhes a intenção escondida.

Artistas da palavra, da imagem,
renovamos linguagens,
resmungões semânticos e pragmáticos,
fazendo culto de um corpo de expressões.

Chamo-te David.
Serei a tua Mona Lisa.

Vejo-te como Sophia,
numa interpretação míope
do que não és hoje,
nem foste nos futuros de ontem.

Não sei escrever as conclusões
nesta folha da alma sensível.

E assim seguimos,
entrelaçadamente.

Minto ao tempo

Os olhares entrecruzavam-se fazia tanto tempo.
Tempo de mito, tempo concreto, tempos líquidos
que se confundem e misturam.

O amor-paixão ainda é equação ausente.
O amor puro, singelo, o primeiro amor,
já lá foi na caminhada do referido tempo,
a coberto da bruma provocada
por lágrimas, tristeza e sensibilidades agudas.

Usamos códigos italianizantes
para conceber o nosso diálogo amoroso
de mudez e segundas intenções.

Ideal de mulher, ideal de homem.
Objeto de contemplação espiritual.

Leio com atenção os teus olhos,
não vá escorregar numa qualquer interpretação errónea.
Volto a ler, com medo
de ter soletrado mal o desejo de outrém.

Nenhum poema vive exclusivamente do seu tempo presente.
O nosso olhar literário vive do passado;
é assim que vazamos os nossos sentimentos:
intertextualidade transitória das nossas desgraças,
caindo na redenção da perspetiva do teu colo,
na antecipação de um afago.

A redondilha das maçãs do teu rosto.

A sistematização da intenção das nossas vontades,
frágeis, por vezes frias.

A alusão que não se esgota em si mesma
a outros amores e outros olhares.

És o meu eleito modelo arcádico.
Terás o meu cunho.
Bebo do teu sorriso clássico.