quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Olhar fronteiriço

Lapida, delicado, a palavra. Cada uma delas é vida, sede constante de atenção. O mundo, do mundo, ao mundo: o dia sucede-se assim, dolente.
O dia é a fronteira que nos junta e nos desliga. Há pessoas que sabem fixar o tempo, nem que seja por breves instantes, entre palavras cansadas, cantadas, entre gestos que nos fazem continuar. Há pessoas que crêem dominar o tempo. E continuam, assim, a subir a colina.
Lembro-me de quando te vi, a primeira vez de todas. Nessa altura não eras ainda minha e eu era de outra pessoa. Lembro-me que te deste a mim e que eu não dei por nada. Eu, sorrindo, achei uma chachada a isto de se pensar que se pertence a alguém. Não se pertence realmente a nada: apenas a nós mesmos.
Lembro-me de, logo ali, na primeira noite em que te vi, me apetecer estar fechado contigo, fechar-te comigo, encerrar-te em mim, cerrar a minha mão nos teus tão generosos seios. Um escritor disse, extravagentemente, que alguém que comunica para o mundo fala sobre e do mundo do alto da sua torre de isolamento, a partir do seu próprio mundo. O seu mundo fechado. Perante tal seio, não sei o que te diga. Sinto-me constrangido agora, olhando-o para trás. Na altura era mesmo para ti que olhava.
Comparavam sapatos. Eu mergulhava no teu decote. Trocavam risadas e faziam planos para mais tarde. Eu encontrava-me no fim do mundo onde estavas tu alheada. O miradouro, várias colinas, Olissipo, a líbido, o teu Verão e a minha tesão.
Não calhou nunca dizer-te mais nada. Foi rápida a troca de olhares. Foste embora porque os sapatos novos magoavam.
"Mas, com uns pés tão bonitos, porque não andas descalça?", perguntaram-te.
"O soutien não te magoa também?", foi o que me pareceu ouvir.
Nunca fui bom com palavras tolas.

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