segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Alarme digital

 Sensação e Dalila: quando a literatura desperta alarmes digitais

Ao tentar aceder ao meu próprio blogue, fui surpreendido por um aviso: “Este conteúdo pode incluir material sensível”.
Não se tratava de um manifesto perigoso, nem de imagens impróprias, mas apenas de um texto intitulado “Sensação e Dalila”.

Curioso paradoxo: a máquina detectou risco onde só havia afago literário. O que terá assustado o algoritmo? Talvez a palavra “sensação”, aberta a associações de prazer ou erotismo. Talvez o nome Dalila, carregado de ressonâncias bíblicas: a mulher que seduz e trai, o arquétipo da tentação.

Mas Dalila é também a figura da ameaça feminina: a mulher que, com astúcia e desejo, coloca em causa a força do herói. A sua presença ecoa o medo ancestral de um feminino capaz de inverter hierarquias, de abalar a ordem e expor a vulnerabilidade do homem. O herói fica despido, desprovido da sua armadura, entregue à nudez sem ego do seu destino.

Coloca-se a questão: a literatura é feminina? Ela tem muita força, consegue transformar o abstrato sensitivo em experiência estética, convoca a memória cultural para questionar o presente e expõe o humano em toda a sua ambiguidade, colando desejo e ruína, entrelaçando distância e destino.

Aquilo que, para o algoritmo, é suspeita, para o leitor é um convite: uma porta que se abre para um espaço de reflexão, mistério e beleza. Se o digital nos adverte de “conteúdo sensível”, talvez seja porque a literatura nunca deixou de o ser — sensível no sentido mais pleno da palavra, capaz de tocar, provocar, inquietar e desestabilizar até a mais fria das máquinas.

Sem comentários:

Enviar um comentário