Existe, por aí, alguém que espera,
que aguarda veladamente na escuridão do tempo.
De seu próprio tempo.
Disse alguém,
como poderia muito bem ter dito algo.
Uma entidade.
Um medo.
Antigo como o tempo.
De todos os dias,
a Sexta-feira é a que passa mais de fugida
e, simultaneamente, mais devagar.
No ar, partículas suspensas
de tensão e de sudação.
Nas bocas,
mal se consegue esboçar um bom dia.
As Sextas são senhoras de engarrafamentos
e comboios lentos.
Contam histórias de encontros fugidios,
de palavras mal trocadas,
de olhares de desejo
mesclados com fiadas de cansaço.
Sonhei sempre bem à Sexta,
embora nem sempre confortado
pela perspetiva de dois dias sem fazer muito.
Uma vida sem sonhos é tortura.
Acho que te conheci a uma Sexta.
Desculpa a imprecisão da minha memória.
Se não foi,
escolho ainda assim esse dia —
escolho o presente contigo.
O presente que és tu. És presente.
És-me presente.
Há, certamente, um ajuste de contas
a fazer com este presente.
Contigo.
Se abrir bem os olhos,
verei ao longe uma resposta.
Quanto mais longe estiver,
mais próxima estará de mim.
Ou vice-versa.
Não sei o que aconteceu ao rapaz do saxofone
que afugentava gatos com trinados suaves.
Nem à senhora da padaria,
cabelo louro, simpatia célere.
Nem sei muito bem
o que me aconteceu a mim.
Sei apenas que tudo isto se deu a uma Sexta.
O meu dia preferido, vá lá.
Sei também que nada mudará facilmente,
embora nada continue igual.
Uma vida sem sonhos não revela pastelarias.
Sem eles,
tudo se resume a ordem, disciplina, cansaço.
Fatias de cansaço
despachadas com celeridade e simpatia.
Assim é a minha vida sem ti.
A minha vida sem ti foi o mesmo.
Sempre o mesmo.
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